A EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MIRA DE BOLSONARO
- José Melo
- 16 de jun. de 2020
- 6 min de leitura
Já classificadas como local de “balbúrdia”, espaços de plantação de maconha e outras acusações infundadas, Universidades e Institutos Federais seguem como alvo de ataque de Bolsonaro e seu ministro Weintraub

Desde o começo do mandato, as universidades e institutos federais foram alvos de ataques de Bolsonaro. O ministro da educação, Abraham Weintraub, desde que assumiu desferiu inúmeros insultos com o objetivo de desqualificar a produção acadêmica e intervir nas universidades e institutos federais. Nos primeiros meses do mandato, o ministério passou por trocas de direções até que, com a nomeação de Weintraub, os ataques verbais, de retirada de verbas e a política de intervenção às instituições públicas intensificaram.
Para inaugurar o projeto de desmonte da educação pública, Weintraub apresentou um projeto intitulado de “Future-se”. O projeto foi amplamente rechaçado pela comunidade acadêmica e as diversas ações do ministro impulsionaram atos gigantescos no Brasil, apelidado de “tsunami da educação”. Nesses atos, milhares de estudantes e trabalhadores da educação de todo o país tomaram as ruas criticando as políticas de desmonte da educação.
Apesar da reação que expôs seu mandato, o ministro e Bolsonaro seguiram atacando a educação pública, com especial enfoque às universidades e ataques ao desenvolvimento da pesquisa, ciência e tecnologia que são produzidas nas instituições públicas. Para intensificar os ataques e seguir a disputa ideológica do grupo formado pelo “gabinete do ódio”, Bolsonaro lançou no início deste ano uma Medida Provisória que garantia que o presidente teria maior incidência sobre a escolha dos Reitores das instituições públicas da rede federal.
A MP caducou e, na tentativa de seguir a política intervencionista, Bolsonaro lançou no último dia 10 nova MP, desta vez dando poderes inconstitucionais de nomeação dos reitores ao Ministro da Educação. Vale lembrar que o ministro quase perdeu o cargo recentemente pelas pressões contra as declarações racistas e xenofóbicas, bem como por sua postura de ameaça às liberdades democráticas.
As bravatas e dizeres ofensivos que marcam o ministro e o governo Bolsonaro não o impediram, entretanto, de levar adiante o projeto de desmonte das universidades e institutos federais através do plano de mercantilização do ensino. Uma nova roupagem ao projeto “Future-se” foi dada e o projeto foi entregue ao Congresso para tramitação. O Congresso alinha-se cada vez com o governo Bolsonaro pelas trocas de cargos e favores como forma de não encaminhar o clamor das ruas que grita “Fora Bolsonaro e Mourão".
Neste jogo do chamado “toma lá, dá cá”, algumas políticas intervencionistas de Bolsonaro ainda encontram dificuldade de ser aprovada. Foi o que aconteceu com a nova versão do projeto de nomeação de Reitores através da MP 979 lançada dia 10, que foi rejeitada por Alcolumbre dia 12, por sua nítida inconstitucionalidade. Apesar desta medida não ter avançado, o Congresso e as diversas Reitorias são coniventes e apoiam medidas de sucateamento da educação.
Por este motivo, não é o bastante comemorar que a MP de nomeação de Reitores foi declarada inconstitucional. É necessário lutar por um projeto de educação pública de qualidade, laica e a serviço da classe trabalhadora.
Universidade para a classe trabalhadora
As bases para uma educação pública de ensino superior que seja socialmente referenciada e esteja a serviço da classe trabalhadora passa por alguns parâmetros e princípios que são debatidos amplamente no movimento dos trabalhadores em educação e no movimento estudantil. Parte deste acúmulo é a reflexão sobre o papel das universidades e sua relação com a sociedade que é fundamentada no chamado “tripé ensino-pesquisa-extensão”. Este tripé tem como princípio que a educação não se limita à reprodução do conhecimento, mas é reflexo do conhecimento historicamente acumulado pela sociedade e deve estar a serviço da sociedade.
Assim, o conhecimento deve levar em consideração a experiência acumulada e a teoria, trabalhando de maneira integrada teoria e prática, bem como considerando a diversidade cultural e a produção intelectual não formal como fontes de conhecimento. A pesquisa trabalha este campo e busca integrar a ciência e a tecnologia como fontes de melhoria das condições de vida da classe trabalhadora. Já o eixo extensão deste tripé deveria ser a síntese desta integração entre a produção acadêmica e a sociedade.
Dialeticamente, a universidade deveria ser um impulsionador à apropriação do conhecimento para a classe trabalhadora, dando-lhe também condições de produzir as melhorias em todas as áreas do conhecimento. Por essa relação de universalidade, de expressar os diversos campos do conhecimento, cumpriria um papel de rico universo da produção do conhecimento, cruzamento de cultura, ampliação dos saberes, trocas.
Toda essa riqueza cultural deveria ser administrada e organizada pelos trabalhadores organizados, bem como pelos filhos da classe trabalhadora que deveriam ter acesso universal. Desta forma, trabalhadores em educação, estudantes e a classe trabalhadora organizada comporiam os membros da comunidade acadêmica, desfrutando do acesso, permanência e da produção acadêmica em geral.
Para tanto, um novo modelo de educação e de estrutura de poder deveria ser organizado e estruturado. Por este motivo, as universidades, os institutos de educação e as escolas deveriam ter seus membros de direção escolhidos diretamente pela comunidade acadêmica. Além disso, os trabalhadores em educação deixariam de ser meros agentes de reprodução das políticas dos governos, rompendo com o trabalho alienado e apropriando-se do conhecimento gerado como agentes que pensam e mudam seu trabalho constantemente, em parceria com outros membros da comunidade.
A disputa desta concepção de educação é parte da disputa ideológica de mudança da sociedade. É impossível um sistema de educação que seja voltado para a classe trabalhadora quando vivemos em uma sociedade cujas bases é a produção de lucro para uma minoria através da exploração que deixa milhares em péssimas condições de vida.
A própria pandemia é um reflexo desta situação, que escancara enquanto que a ciência demonstra que a melhor política para salvar vidas é realizar um sério isolamento social, Bolsonaro e os governadores jogam a classe trabalhadora para o matadouro, obrigando a realização de trabalhos não essenciais a este período com a ameaça de morrer de fome. Entre morrer de fome ou morrer pelo coronavírus, a reação começa a se espalhar pelo Brasil e mundo afora. A gota d’água de um copo transbordando é o grito de “não consigo respirar” que ecoa em toda a classe e representa o sentimento de todos aqueles e aquelas que já aguentam mais respirar neste mundo de exploração e opressão.
E para poder respirar nós trabalhadores precisamos de saúde, educação, transporte, moradia, saneamento e todas as necessidades que este sistema não oferece. Precisamos compreender que o debate sobre educação está também vinculado ao debate sobre o modelo de sociedade que precisamos e que desejamos. Nunca esteve tão evidente que ou lutamos por uma sociedade socialista ou nosso destino será a barbárie.
Uma experiência de Projeto de Universidade
A FASUBRA (Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil) desenvolveu um projeto de universidade para a classe trabalhadora que é uma importante referência ao debate sobre educação superior. Partindo dos princípios de organização pela base, desenvolveu por mais de uma década um amplo debate com trabalhadores e trabalhadoras técnico-administrativos em educação das universidades públicas do Brasil, participando dos debates também discentes, docentes e membros da sociedade civil organizada.
Seguindo o método da democracia operária, realizou amplos debates, acúmulos que consideraram as diversidades locais, regionais e profissionais e chegou a esboços de projetos de universidade, hospital universitário, segurança comunitária e carreira.
O projeto de Universidade é pensado em uma sociedade de transição, que busca romper com o sistema capitalista de produção através de uma sociedade socialista, para dar poder à classe trabalhadora. Este princípio norteia o projeto que apresenta um modelo que visa o financiamento público estatal, a gestão democrática e autônoma das instituições públicas de ensino superior. Parte destes eixos foi sintetizado no inciso IX do artigo segundo do projeto que define a finalidade das universidades para a Federação:
“contribuição para romper com as desigualdades sociais, bem como superar a alienação individual e coletiva, dirigindo suas atividades de ensino, pesquisa e extensão para erradicar o racismo, a segregação religiosa, sexual e de classe, a pobreza, a intolerância, a violência, o analfabetismo, a fome, a degradação do meio ambiente as enfermidadades”.
Seguindo esses pressupostos, o documento elaborado pelo GT Educação da Fasubra em contraponto ao projeto “Future-se” em 2019 afirma:
“Esse modelo defendido pela Federação [Projeto de Universidade] tem como elemento organizador o financiamento público-estatal e a democracia. Está referencia nos interesses da classe trabalhadora, portanto, de uma democracia adjetivada uma democracia socialista”. O documento reforça esse caráter na atual conjuntura: “Há o surgimento com maior intensidade de governos de ultradireita, o que leva à necessidade cada vez maior de uma organização da classe trabalhadora, visando apresentar uma alternativa socialista que se oponha ao modelo capitalista”.
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